segunda-feira, outubro 09, 2017

Nada na manga (magia pura)...


 Quando aprendemos com as dúvidas e os erros dos alunos, os nossos poderes mágicos aumentam.
Eu explico.

Tenho por hábito demonstrar aos alunos que sou assim uma espécie de feiticeira, (vá... fada é mais bonito) da matemática. Não o sou porque sim. Sou-o apenas porque em 32 anos aprendi muito sobre eles e já consigo adivinhar muito do que sentem e pensam,  com pequenos gestos ou indicações consigo fazer desaparecer uma dúvida, ou levar o alunos a corrigir-se quase sem nenhuma explicação, às vezes basta aproximarem-se de mim ou eu deles (momentos deliciosos) e sugerem correções mesmo antes de eu lhes explicar seja o que for.
Eles sabem e quanto mais confiam em mim (portanto neles) mais magia acontece.
Falamos, claro, do segundo ciclo. Essa idade também ela mágica onde ainda acreditamos em fadas.

Mas para que o efeito seja maior, é preciso (porque gosto imenso de representar) fazer e dizer as coisas certas no momento certo, chamar a atenção para a magia quando ela acontece, arregaçar as mangas (faço muitas vezes) e dizer: querem ver? Nada nas mangas...

Os alunos do sexto ano, naturalmente, depois de uma experiência no quinto, mantêm a crença na magia, mas tenho de adaptar o discurso porque estão mais crescidos e nem todas as histórias os convencem.
Já os alunos de quinto...

Vem isto a propósito de uma aula acontecida na primeira semana de aulas, onde numa turma os convenci de que tenho realmente poderes mágicos inimagináveis. Tudo isto depois de uma coadjuvação à aula de uma colega noutra turma e, também, depois de uma aula minha noutra turma e no contexto de uma avaliação diagnóstica (que fazemos como deve ser... felizmente... Custa-me ler por aí que há escolas paradas no tempo a fazer coisas estranhas a que chamam diagnóstico e que de pouco servem, não porque sintam necessidade, ou isso as ajude, mas porque "tem de ser feito assim", já que uma vez um despacho qualquer a isso obrigava e algum pessoal ainda não percebeu que cada ministério sua sentença e é preciso distinguir o trigo do joio sem receio e fazer as coisas com o nosso bom senso e experiência de terreno, sem ligar a alguns devaneios de quem pouco sabe do que acontece neste século numa sala de aula).
Livra! Ainda não consigo bordar uma história em linha reta sem fazer desvios a torto e a direito em ponto de ziguezague...
Portanto, estávamos num momento de diagnóstico/revisão com um problema projetado no quadro.
Nada nas mangas (eu disse) e de seguida acrescentei:  estou aqui a ler os vossos pensamentos e sinto que há muitos alunos a pensar como é possível descobrir os 3 pontos na semireta se não existe ali nenhuma linha e ainda por cima estão na diagonal..
Caras de espanto e muitos dedos no ar: oh professora, como é que sabe que é isso que estamos a pensar? Eu estava mesmo com essa dúvida...
Não vos disse já que sou mágica? Que passei as férias do verão num castelo do género do do Harry Potter a melhorar os meus poderes? Oh professora, como o Hogwarts? Sim, sim, mas para professores de matemática!
Lá esclarecemos a dúvida, depois de lhes ter perguntado quem era eu... e me ter inclinado para ficar na diagonal e perguntar de novo se tinha deixado de ser a professora Teresa, ou se deixava de o ser quando fazia o pino...
Dúvida esclarecida, avançámos. Iam respondendo, mas acrescentando sempre no diagnóstico se tinham sentido dificuldade num determinado exercício. A verdade é que, recolhidas as folhas, deu para perceber quem compreendeu o que estava a fazer e com uma pequena revisão conseguiu apagar os esquecimentos de um verão prolongado e quem realmente tem dificuldades expressas em erros revelando que nem as explicações e ajudas resolveram as dúvidas. O diagnóstico deve evidenciar estes últimos casos e não os da natural limpeza de verão. Levar os alunos a responder apenas a questões/testes longos nas primeiras aulas, quando já não se lembram de muito, causa ansiedade desnecessária, receio de estarem a ser avaliados e de pouco serve à relação com a disciplina, relação de confiança com o professor, desenvolvimento da autoconfiança e autoestima, ou à melhoria de aprendizagens futuras alicerçadas nos conteúdos em diagnóstico. Cinco exercícios projetados, discussão e ajuda e uma folhinha vazia para responderem onde para além das respostas indicam onde sentiram dificuldade (mesmo que a resposta esteja já certa) serve o diagnóstico. Esta foi a segunda parte... na primeira escreveram numa outra folhinha como foi a sua relação com a matemática, se gostavam ou não e porquê, onde sentiram mais dificuldades e o que esperavam para este ano na escola nova.
Noutro exercício, ainda no diagnóstico, recordei/ensinei a notação para medida da amplitude de um ângulo. Ora a coisa escreve-se com três letras maiúsculas e um acento circunflexo na letra do meio (vértice do ângulo... tipo  AÊD) e, também na aula de coadjuvação, um aluno perguntou se o acento circunflexo que se colocava na letra era agudo ou obtuso consoante o valor em graus da amplitude.

Na minha aula, a seguir, parei de repente, olhei para todos, mão na testa (nada na manga) e disse: estou aqui a sentir que há um aluno ou dois que tem esta dúvida (descrevi a dúvida).
Três alunos de dedo no ar: oh professora, adivinhou... eu estava mesmo a pensar nisso.

À saída, vários: eu nem gostava de matemática mas agora acho que estou a adorar...

Aos pais na reunião de apresentação dos professores das turmas: livrem-se de lhes dizer que a matemática era um pesadelo para vocês em pequenos e, nada de lhes dizer que eu não tenho poderes mágicos... porque tenho mesmo. (Risos no fim)






descalabros, carrocel e ignorância

https://guinote.wordpress.com/2017/10/05/descoincidencias/


... A propósito de descalabros, no 5.º ano, a saladinha mista de ciências e matemática numa única prova não serviu uma avaliação séria nem de uma coisa, nem de outra (foi a primeira vez que alguém teve a ideia peregrina de fazer algo assim... mas, claro, isso não interessa nada para os resultados nem para as conclusões/comparações com provas exclusivamente de uma disciplina). Estamos a falar de crianças acabadas de sair do primeiro ciclo... quem (realmente) sabe o que é uma criança do 5.º ano, percebe o que digo. Descalabro são sucessivos governos cada um com sua sentença, matando decreto a decreto o que o anterior fez, sem qualquer respeito pelo trabalho dos alunos e dos professores, sem respeito pelas famílias. Somos todos assim uma espécie de cobaias. Got it! O pior da nossa educação é a imensa necessidade de todos os que por lá passam quererem deixar marcas para a posteridade (piores, melhores... às tantas é só descrédito... é só carrocel... eles partem, nós ficamos). Em educação as coisas não pioram ou melhoram num ano (alguém lhes explica?)... Os ciclos são longos, têm de ser bem planeados, seriamente avaliados em toda a multiplicidade de fatores e só depois se tiram conclusões. Cada escola é uma escola. Um pactozinho de estabilidade ajudava... já leram o Perfil dos Alunos? Experimentem aplicar mesmo (em vós) as competências que preconizam para outros. Deviam ser o exemplo...
As provas de aferição, não contando para os resultados finais, levam a um maior desinvestimento de muitos alunos e famílias (perfeitamente natural). Digam a um adolescente "médio" que vai fazer uma prova que não conta para nada e depois esperem milagres. Ah, e logo de seguida comparem coisas diferentes.
Os exercícios que se seguem foram colocados na prova (para crianças que em média têm 10 anos)... quantos de vocês os resolveriam? Sobretudo o exercício 10?
Aguentei calada na altura das provas, a ver o que aí vinha, dando o benefício da dúvida sobre as eventuais ocultas intenções das ditas. Agora que percebi, a minha irritação e incómodo com tudo isto falaram mais alto.
Quem avalia quem faz as provas? E quem avalia os MEs quando entram e saem sem que nunca se responsabilize ninguém pela (de)obra feita? Memória curta de tantos que por lá passaram e agora tudo sabem sobre como resolver os problemas da educação.
Está para vir o primeiro que chegue sequer aos tornozelos do magnífico aluno de 12.º ano preconizado num certo perfil que eu cá sei.


Qualidade de ensino - 1

O programa de CN de 5.º já não cabia em três tempos de 45 minutos. No ano passado (ano de prova), por imposição superior, os alunos frequentemente não tinham aulas para fazerem rastreios visuais, assistir a sessões sobre higiene dentária (e etc...). Durante o ano, os professores de ciências tiveram (também) de colocar (nas aulas!) os alunos a lavar os dentes a seco com kits distribuídos pelo ministério (escova, pasta e fluor - que não é um "medicamento neutro" e tem contraindicações e efeitos colaterais). Depois de esfregarem os dentes um determinado tempo contado militarmente pelos professores,  tinham de bochechar com fluor (!) ... isto em todas as aulas e com turmas de 26 a 28 alunos. Gastar tempo a distribuir (pelas mãos do professor) copinhos, com o nome dos alunos, que depois de usados eram encaixados uns nos outros (imensa higiene) parece surreal, mas aconteceu em todas as aulas e ciências. Isto tudo e a necessidade/imposição de fazer regularmente atividade experimental (isto é que devia ser essencial, mas com condições e tempo), reservar umas horas para a educação sexual (por despacho... ), que invariavelmente todos atiram para cima do professor de ciências,  fez com que os conteúdos (imensos) tivessem de ser passados a correr... 
Imaginem lá o que foi aprendido/decorado assim! Este ano, na matriz PPIP, as ciências estão reduzidas a dois tempos de 50 minutos com as mesmas exigências de atividade experimental e aprendizagens essenciais extensas que não mudam uma vírgula do currículo anterior, fora o resto que há de vir (até eu não dei uma aula de matemática para levar os alunos a fazer o dito rastreio visual)... Já nem falo dos até 25% do domínio de autonomia curricular... Porque se fosse a sério mesmo, reduzia-se a disciplina de ciências a um essencial importante e compatível com o tempo disponível, mas que permitisse às crianças efetivamente aprender alguma coisa, consolidar conhecimentos, recuperar dificuldades, desenvolver competências básicas, ir a rastreios, lavar os dentes, assistir a palestas, fazer atividade experimental, saídas de campo e etc.. Se acham que exagero... quem imaginou que era possível cumprir estas exigências todas em MUITO menos tempo sem mudar o programa, venha até às escolas e mostre como se faz.
A bem dizer... acho que os resultados na prova de ciências foram excecionais, tendo em conta todas as coisas que aconteceram... E se não foram (aos olhos de quem produz relatórios tratando os dados a frio sem conhecer a realidade) então podemos (re)começar a treinar os alunos para os exames digo provas de aferição... esquecendo o resto. Tudo ao mesmo tempo é impossível.
Chama-se a isto "querer meter o Rossio na Rua da Betesga"...  
(... ou brincar ao "faz-de-conta")

 imagem vista aqui